sábado, 15 de novembro de 2014

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (2)


2 - A PLANTA DA REDAÇÃO DE "O MOSQUITO"

Conforme descrevi no artigo anterior, a redação de "O Mosquito" a partir de 1939 passou em definitivo para a Travessa de São Pedro, no Bairro Alto em Lisboa. Era em simultâneo redação, administração e oficinas.
A instalação abrangia várias divisões de uma antiga casa de habitação que foi perfeitamente adaptada à função.
Numa sala com duas janelas, de esquina para a Rua dos Mouros e para a Travessa de São Pedro, estava instalado o prelo para o «transporte litográfico» dos desenhos para as chapas de zinco Offset que imprimiam diretamente na máquina Rolland. Numa dessas janelas estava a bancada onde eu desenhava nas chapas de zinco Offset a seleção das cores do jornal. Na outra havia uma mesa destinada à montagem dos «deitados» ou «planos», ou seja a planificação das páginas de cada número do jornal. O técnico transportador era o experiente José Baptista Moreira que viera da litografia Castro, como muitos dos outros elementos.

Para uma melhor compreensão junto um esquema da planta.
Nesta perspetiva que desenhei para o livro «História da BD Publicada em Portugal» pelas
Edições «Época de Ouro», em 1995, mostro como era a Redação/Oficina de "O Mosquito".

1– Patamar da escada. 2– Entrada para a cave onde estava instalado o «granidor» de recuperação das chapas de zinco usadas. 3– Porta da Redação. 4– Corredor principal. 5– Guiché de receção ao público. 6– Casa da máquina de impressão Offset «Rolland». 7– Gabinete do Tiotónio onde estava instalado o telefone. 8– Ligação entre a casa da máquina e a secção de transporte. 9– Secção de montagem, transporte e desenho litográfico; a) Mesa de desenho das cores; b) Mesa da montagem litográfica; c) Prelo litográfico. 10– Secção de tipografia; a)– Bancada tipográfica; b) Impressoras tipográficas automáticas «Minerva»; c) Secretária do contabilista, sogro do Tiotónio. 11– Casa da dobra do jornal e também da expedição de encomendas; a) Máquina de Offset «Rolland» de pequeno formato; b) Bancada da dobra. 12– Gabinete de reuniões; a) Na parede, dois grandes retratos de António Cardoso Lopes e Raul Correia. 13– Casa do corte de papel; a) Guilhotina. 14– Corredor de ligação. 15 e 16– Gabinetes com arquivos de originais e números antigos de «O Mosquito». Roussado Pinto ocupou o gabinete 15 aquando da sua estada na redação. 17– WC e duche. 18– Saguão a céu aberto.

Como funcionava a redação de "O Mosquito"

Um jornal deste tipo pode ter histórias muito bem escritas e desenhadas, mas se não tiver uma orientação bem estruturada pode resultar num falhanço. Chamo a atenção do que aconteceu aos jornais que o Tiotónio dirigiu (embora artisticamente, pois era de uso na época haver também um diretor literário) depois da sua saída. Ele tinha a perceção exata do que o público precisava, sem cair na tentação de lhe dar o que lhe seria mais fácil de assimilar. Por isso "O Mosquito", sendo simplesmente um jornal de entretém, foi considerado pelos seus leitores, ao longo dos tempos, como de cariz didático.
O Cardoso Lopes, Tiotónio, era quem escolhia a colaboração do estrangeiro - Inglaterra e Espanha - e os temas da que era realizada em Portugal. Era ele quem detinha o exclusivo do material inglês, e quando mudou do "Tic-Tac" para criar "O Mosquito", levou as séries consigo.
Não havia repetição de temas na gama das Histórias em Quadrinhos nem das novelas de texto. Os autores destas últimas, Raul Correia, Fidalgo dos Santos, José Padiña, Lúcio Cardador, Orlando Bertoldo Marques ou Roberto Ferreira recebiam indicações para o ambiente da novela que deviam escrever a seguir. Não admitia repetição de temas simultaneamente, e por exemplo, se havia em curso uma história de barcos passada na atualidade, só era aceite outra se fosse vivida na antiguidade.
Por curiosidade, mostro em baixo uma página d’ "O Mosquito" N.º 229, de 30 de Maio de 1940, onde o Raul Correia responde a uma carta do Orlando Marques, que começou a colaborar por essa altura com as suas novelas.
A página d’ "O Mosquito" com a resposta à carta de Orlando Marques
e ao lado o pormenor para se poder ler o conteúdo.

Este critério do Tiotónio era aplicado também nas Histórias em Quadrinhos, com aventuras espaciais, policiais ou decorrentes em zonas exóticas do mundo, já descoberto ou não. Também o género de desenho «sério» era equilibrado com o «cómico» ou humorístico como se passou a chamar. Esse material era de origem inglesa e espanhola. Só muito mais tarde viria a publicar originais dos Estados Unidos da América. Os títulos sempre bem inspirados eram conseguidos pelo Raul Correia num repente, sem ter que pensar muito.
Eis o equilíbrio estabelecido entre histórias humorísticas e de carácter sério, atingindo assim os variados gostos dos muitos leitores. Conheci na altura rapazes que compravam o jornal só por causa de uma das histórias de que gostavam muito. E como eram séries contínuas, estes leitores tornavam-se como que «vitalícios».
A colaboração disponível que vinha do exterior impunha os temas base, por isso o que era construído entre nós tinha de preencher o que faltava no critério de escolha da programação do jornal.
Ao diretor literário Raul Correia competia traduzir os textos e criar uma literatura própria que transformou por completo a qualidade dos argumentos, melhorando-os muito. Escrevia as novelas que contrabalançavam os «Quadrinhos». Era um verdadeiro Poeta e durante muitos anos manteve sem falhar a rubrica «O Avozinho», escrita numa bela prosa rimada.
Se um autor trazia à redação uma história já pronta, focando um tema que se equiparava a um que estava a ser publicado, o Tiotónio guardava-a para a inserir no jornal numa melhor oportunidade. As suas personagens «Zé Pacóvio & Grilinho» tiveram uma grande popularidade, mas n’ "O Mosquito", devido às muitas solicitações ligadas à gerência da oficina e das variadas publicações que aí se publicaram, tiveram pouca presença, embora se publicasse um álbum: «Novas aventuras de Zé Pacóvio e Grilinho».
As personagens do Tiotónio n’ "O Mosquito" e no álbum com uma história completa.
(continua)

No próximo artigo: AS DECISÕES NA ORIENTAÇÃO DO JORNAL

Sem comentários:

Enviar um comentário