sábado, 18 de julho de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (9)


9) A ARTE GRÁFICA E AS ILUSTRAÇÕES

Deixei claro no artigo anterior as alterações profundas realizadas na redação d’O Papagaio, e também no aspeto do jornal que passou a ser um suplemento da revista «Flama» do mesmo grupo editorial, «Renascença Gráfica». 

Embora o processo que apresentei no artigo anterior, de usar papel «Fabriano» e lápis litográfico para fazer a cor sobre os desenhos, de modo que resultasse com o aspeto de meias-tintas, mesmo em zincogravura, pensei arranjar um outro mais prático e que pudesse também ser utilizado facilmente pelos colegas. Pedi para que na União Gráfica fizessem uma zincogravura de uma trama, como se pode ver na imagem, e tirassem provas de prelo em papel acetinado mas fino. As provas tinham o formato das tiras dos nossos originais que executávamos em tamanho grande. O ponto desta trama reduziria conjuntamente com o desenho dando então uma tonalidade cerca de 30% da intensidade da cor forte.
Sobre os originais a traço depois de desenhados a tinta-da-china sobrepunha essas tiras, e à transparência, tapava com guacho branco as zonas que queria ficassem brancas, sem trama, e com tinta-da-china pintava o que desejava ficasse em cor forte. Veja-se o exemplo em baixo, os desenhos do traço e da cor, prontos a serem reproduzidos em zincogravura.

Quando os desenhos eram reduzidos para o tamanho em que iam ser impressos na revista, a trama apertava, apresentando à vista o aspeto de meio-tom como se pode observar em baixo, à esquerda.
Em cima à esquerda a ilustração no tamanho em que foi impressa n’O Papagaio.
À direita uma ilustração do Vítor Silva mostrando como usou estas tiras de papel impresso com a trama. A imagem está no formato do original, antes da redução.
Exemplo das Histórias em Quadrinhos do Vítor Silva com a aplicação deste processo. À direita uma das vinhetas antes da redução, para se poder ver o ponto a olho nu, sem auxílio de lupa. Desta forma as reproduções mantinham-se em zincogravura, não obtendo esbatidos mas conseguindo uma meia-tinta uniforme e sem ser preciso usar «fotogravuras» que eram mais caras.
Mas foi apenas o Vítor Silva quem também utilizou este meu processo, pois sendo igualmente um profissional gráfico reconheceu a vantagem da inovação. A arte gráfica tem em tudo o que fazemos para reproduzir, uma notória importância no efeito que pretendemos conseguir no final do trabalho, ao ser impresso.
Esta nova redação d’O Papagaio/Flama passou a ter outra vida, com mais movimento, com a presença de outros colaboradores da revista mãe, e entre eles destaco o Neves de Sousa, um jovem a formar-se em jornalismo, muito magro (sublinho isto porque depois deitou muito corpo) e que estava sempre com pressa, a correr de um lado para o outro. Simpaticamente o Carlos Cascais alcunhou-o de «Ventoinha». Ele sabia mas não se importava e até achava graça. Criei então uma personagem com esse nome, que entrou em algumas histórias publicadas n’O Papagaio.
Esta personagem «Ventoinha» representava um jovem jornalista que sofria toda a espécie de azares. Por exemplo, quando ia ver o resultado das fotografias tiradas, verificava que se tinha esquecido de meter o rolo na máquina, e coisas assim.
Nessa altura publiquei uma série de pequenas histórias em que o cenário escolhido foi o território português.
Continuávamos, os colaboradores, sem ter qualquer imposição de temas nem alteração ao que apresentávamos. O clima era saudável e gostavam do nosso trabalho pois íamos evoluindo. O Carlos Cascais, poeta e escritor, colaborava com poemas e contos que ilustrávamos.
A última história dessa série que publiquei foi um pouco mais longa do que as outras, e viria a ser mesmo a derradeira neste suplemento.
Foi com o semblante fechado que o Carlos Cascais, num dia triste, nos transmitiu uma notícia que recebera da administração: tinham decidido acabar com o suplemento infantil. Achavam que não se justificava mantê-lo pois não tinham qualquer indício de interesse vindo do público.
Era natural, uma vez que não havia uma secção de correio dos leitores dando-lhes a possibilidade de colocarem questões, justificando respostas e estabelecendo o diálogo.
Estávamos no início da década de 50 do século XX quando «O Papagaio» deixou de «palrar». Dizia-nos o Frei Diogo depois dessa decisão que não tinham recebido uma única carta a perguntar o motivo de terem acabado com o suplemento, nem a demonstrar terem sentido a sua falta. O Vítor Silva ainda se manteve algum tempo a ilustrar contos e novelas para a "Flama".

(Continua)

No próximo artigo: A REDAÇÃO DE "O CAVALEIRO ANDANTE"

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