terça-feira, 17 de novembro de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (13)


13) REDAÇÃO DO TINTIN, REALIDADE OU FICÇÃO


Já com 4 páginas a mais na revista, embora com impressão só a preto e branco, o Dinis Machado ficou com mais espaço para poder anunciar as histórias que iam substituindo as que acabavam entretanto. Deu-me carta-branca para essas apresentações.
Acontece que nas variadas peripécias que aconteciam na redação, por vezes (muitas vezes) caricatas e de grande comicidade, em dez segundos eu riscava num papel a situação, caricaturando a cena, sempre com uma legenda adequada. O Dinis Machado achou que seria interessante passarmos a fazer o mesmo nessas apresentações das histórias.
E neste desenho aparecemos todos, como passou a ser hábito, inseridos no ambiente da aventura que estávamos a anunciar.
Em primeiro plano o Vasco Granja, muito alto e magro seguido do Mário Correia, mestre nas legendas, que trazia sempre uma pasta plena de tralha, desde escova para o cabelo, tubo de cola, ampolas de vidro, papelada, pinceis e canetas, muitas, tesoura e chapéu-de-chuva de encolher, enfim, um nunca acabar de surpresas. Eu exagerava e fazia toda a aquela «babilónia» a saltar da pasta. Na corrida, o Dinis Machado e eu numa trotinete com faróis de nevoeiro; isto porque havia comprado um par destes fura-neblina para um carrito que tinha e parecia mais uns faróis com rodas, acompanhado por um cãozinho Coquer Espaniel da minha filha.
No segundo plano o rapaz com a bandeirinha ajudava em pequenos trabalhos na redação, seguido da Maria Quirino, secretária do diretor da editora, e na mesma bicicleta dupla a «Milocas», uma jovem ajudante da Lurdes a secretária da redação, que vai atrás com os seus longos cabelos. Por último o Luís Nazaré, autor dos passa-tempos e de uma parte das legendas desenhadas.
Na torre de controlo O António Ramos, o diretor editorial, a falar para a Lombard, o que fazia constantemente.
Esta rubrica não era semanal, saía só quando se iniciava uma nova história. Ao idealizar a forma da apresentação, tinha a colaboração aprazível do Dinis Machado e do Márinho, como chamávamos carinhosamente ao Mário Correia, até hoje. Um dizia uma coisa, o outro acrescentava e assim se construía a página.
Nesta história dos «Charutos do Faraó», substituímos os balões com a frase atribuída a cada um, por hieróglifos. O Henrique Trigueiros tinha uma espiga, o Dinis Machado tinha o machadinho, eu tinha o Coquer, o Vasco Granja que exibia diariamente uma nova gravata ultrapassando-se nos mais inimagináveis padrões, deixava-a pender das ligaduras de múmia e o Mário Correia espalhava todo o conteúdo da sua pasta de couro, concorrente à «Caixa de Pandora».
Gostava de tirar partido dos contrastes existentes entre nós, principalmente entre a diminuta altura do Mário Correia e do «pé direito» do Vasco Granja. O António Ramos sempre a ligar, ou a tentar fazê-lo, para a Lombard, a Maria Quirino preocupada com os contratos e à procura do sítio em que os tinha guardado da última vez, o Luís Nazaré a saborear o seu cafezinho, o que ia repetindo ao longo do dia, e o Mário Correia com a sua pasta a despejar mais coisas do que a sua capacidade estimada.
Os leitores iam-se apercebendo de que aquelas personagens faziam parte da redação e alguns interpelavam-nos nesse sentido, procurando saber se seria verdade ou ficção. No fundo era uma verdade que ultrapassava a imaginação.
Estavam sempre a acontecer coisas, alguém que tropeçava num fio e espalhava as pastas que levava, um telefonema da Venezuela que por acidente veio parar ao telefone do Dinis Machado, de um Morales que queria à força saber qualquer coisa relativa à administração, e por mais que o Dinis tentasse fazer-se entender a explicar que não era dali, o tal Morales insistia e voltava a repetir a lenga-lenga. Por muito tempo gozávamos com o Dinis Machado, quando ele estava um pouco distraído, a pensar por certo nas histórias, dizíamos: Está lá, Morales!!!
Ele fingia que se irritava, mas não conseguia.

Costumávamos ir almoçar a uma tasquinha na Venda Nova, na Amadora, perto da redação, o Dinis, o Mário Correia, o Teixeira Abreu da Ibis e eu. Um dia, estávamos à espera do prato-do-dia, um guisado de carne, com os pratos voltados ao contrário sobre a mesa para proteção do pó, e distraidamente olhávamos um outro cliente na mesa ao lado, embebido profundamente na leitura de um jornal desportivo. O criado trouxe-lhe a travessa com o «ragu» e ele acto contínuo, sem desviar os olhos do jornal, despejou todo o conteúdo no prato, sem se aperceber de que este estava ao contrário. Na fração de segundo em que isto se passou, esboçámos ainda a tentativa de o avisar, mas o guisado resvalava já pelo fundo convexo do prato, depositava-se em parte na toalha continuando para as calças e sapatos do cliente.
Após a primeira reação de surpresa, fomos atacados pela inevitável vontade de rir, pois o senhor como se tratasse da coisa mais natural do mundo, voltou o prato e com a mão foi encaminhando o derrame para o seu interior, mesmo o que se havia depositado nas calças, deixando só como desperdício o que caíra no chão. E começou a comer continuando a ler o desportivo.
Pode imaginar-se o esforço que tivemos de fazer para não começarmos à gargalhada, incapazes de olharmos uns para os outros, pois só de vermos a expressão de cada um nos fazia mais vontade de rir. Levámos o almoço a engolir mais o riso do que propriamente a carne com as batatas, nem comemos sobremesa e saltámos para a rua onde, aí sim, demos largas às gargalhadas contidas até então. Foi neste propósito que chegámos à redação, lágrimas a correr, para espanto de todos, e sem fôlego para contar o sucedido, pois quando um de nós começava a descrever a cena, desmanchávamo-nos e não conseguíamos dar seguimento nem coerência ao acontecimento. Claro que isto foi motivo para boneco, não para publicar.
Até que o Dinis Machado resolveu que devíamos assumir mostrar como era na realidade a redação aproveitando um concurso promovido pela casa-mãe de Bruxelas. A disposição das secretárias e estiradores, armários e ficheiros está correta neste desenho. Atrás de mim e do Mário Correia havia grandes janelas que davam para a Rua e ao fundo, o gabinete do António Ramos… a ligar para a Lombard. No meu lado direito havia uma porta (que não se vê) que dava para a secção de promoção e publicidade, de onde saía várias vezes ao dia o Vasco Granja sobraçando pastas com desenhos dos franco belgas.
E um dia tivemos a visita do francês dono da Agência 2000 com uma questão.
(Continua)

No próximo artigo: O REPORTER CLIQUE

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