quinta-feira, 15 de junho de 2017

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS - ARTE COM MUITA OFICINA (1)

Apresentamos hoje o primeiro de um conjunto de oito artigos do nosso colaborador José Ruy, que nos brinda com um tema deveras interessante: o modo como os autores norte-americanos planificavam as suas histórias, de forma a que estas pudessem ser publicadas em diferentes formatos de jornal.
Depois das séries "A Vida Interior das Redações dos Jornais Infanto-juvenis" (já terminada) e "A Ilha do Corvo que Venceu os Piratas" (ainda em publicação, mas a caminhar para os últimos posts), José Ruy surge com uma nova temática, em menos artigos mas, sem dúvida, com o mesmo interesse.
Esperemos que seja do agrado dos nossos leitores.
BDBD



HISTÓRIAS EM QUADRINHOS - ARTE COM MUITA OFICINA (1)
Por: José Ruy


O sentido de observação é o primeiro a ser desenvolvido por quem deseja criar histórias ilustradas. Na maneira de observar o que nos rodeia está a base para o que precisamos de contar em narrativa gráfica, desenhando, registando tudo o que vemos, inclusive o que sentimos. As emoções e a experiência de vida também fazem parte do manancial indispensável para se criarem argumentos.
Por isso, acostumei-me de muito novo a ver o que olhava, com cuidado e profundidade. O meu grande Mestre Eduardo Teixeira Coelho, ao observar os desenhos que eu já fazia do natural, sem nunca me ter emendado um traço, dizia: «Isto aqui não está bem. Vai lá ver». Esta indicação era para voltar ao modelo (animal, figura humana, etc) e observar melhor, para descobrir por mim o que não estava bem.
Ao apurar este sentido, habituei-me a procurar a razão para o que vejo e conseguir respostas para os aparentes enigmas.
E são algumas dessas questões que vou questionar e exemplificar.

Nas décadas de 40 e 50 do século XX, comprava jornais americanos que publicavam histórias em quadrinhos, dos grandes autores Hal R. Foster, Milton Caniff, Alex Raymond, Burn Hogart, Don Moore, e tantos outros. Eram jornais de informação e notícias, em formato tabloide que também publicavam diariamente tiras ilustradas. Às quintas-feiras e domingos inseriam na sua edição suplementos recheados dessas histórias que me fascinavam, pelo traço e pelo argumento.
Cada autor tinha o seu estilo e técnica, mas quase todos obedeciam a uma regra. Isolava-se desse compromisso o Harold Rudolf Foster, pois a sua página era diferente.
Dessas regras falarei mais adiante.
Milton Caniff foi o autor que mais me fascinou quando nos anos 40 do século XX tomei conhecimento da sua obra através do Mestre João Rodrigues Alves que na altura nos mostrava, a mim e aos meus colegas da Escola António Arroio, os jornais norte-americanos onde essas histórias eram publicadas. Mais tarde assinei alguns desses jornais, que não se vendiam em Portugal, e fui adquirindo outras revistas em outros formatos que publicavam episódios completos de histórias de Milton Caniff e de colegas seus.

Um autor pode sofrer influência de outro, sem que isso se reflita no traço ou na maneira de compor as imagens.
Há infiltrações estéticas impercetíveis que recebemos, sem darmos conta, mas que passam a fazer parte de nós, de maneira imperecível. 
Caniff influenciou-me no método de narrar a história e principalmente no processo de dar a cor, como exemplificarei depois.
"Steve Canyon", o mais famoso trabalho de Milton Caniff
Mas antes vou contar em traços largos a trajetória profissional deste desenhador e argumentista, que foi considerado na sua época, o de maior popularidade nos Estados Unidos. Não é novidade o que apresento, mas como pode haver alguém que o desconheça, merece a pena repetir.
(Na foto, Milton Caniff no seu ateliê, em 1977, com Lucy Shelton Caswell, diretora da Escola de Jornalismo na Ohio State University onde Caniff se formara em 1930, depois de ter frequentado a Escola de Artes «Stivers».
O autor doou por essa data uma coleção de 12.000 pranchas originais à Universidade.
Na outra imagem, o seu autorretrato onde se apresenta a desenhar com a mão esquerda, pois era canhoto, acompanhado das três personagens principais da série que o celebrizou internacionalmente, «Terry e os Piratas».)

Milton Caniff que iniciara uma carreira de jornalismo no jornal «Columbus Dispatch» pouco antes da grande depressão na América, devido a esse fenómeno viu-se desempregado e até pensou em desistir.
O seu colega cartunista William Billy Ireland incentivou-o a continuar e, em 1932, mudou-se para Nova Iorque onde foi produzindo várias tiras para jornais diários, até que em 1934 o editor do «New York Daily News» o desafiou a criar uma tira diária passada no Oriente. Nesse lendário e misterioso Oriente...
(continua)

2 comentários:

  1. Mais outro grande trabalho de mestre José Ruy em perspectiva! Não se limitando a fazer BD, em que é um exemplo quase único de longevidade, com mais de 70 anos de carreira, José Ruy também nos deleita com os seus vastos conhecimentos em inúmeras matérias, desfiando memórias e escrevendo textos que se lêem sempre com prazer e proveito.
    Tenho a certeza de que esta nova série será também uma mais-valia para o BDBD e para todos quantos admiramos o seu saber, o seu talento e a sua incrível capacidade de trabalho.
    Jorge Magalhães

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  2. Meus caríssimos amigos Jorge Magalhães e Catherine Labey, muito obrigado pelas palavras elogiosas que dirigiram à minha nova série de artigos no «BDBD Blogue» que me permite esta oportunidade. Mas não me aproximo do conhecimento do Jorge Magalhães nesta arte, grande e profundo conhecedor da matéria. Limito-me a desenvolver algumas observações conseguidas nos muitos anos que já percorri. Grato pela confiança no interesse que possa haver nos artigos que se seguem.
    Forte abraço amigo
    José Ruy

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